Como foi o que será

Pé de café em Minas Gerais. Foto: Rodrigo Bressane

Outro dia li uma reflexão do inspirado e inspirador Tobias van Schneider que ficou passeando na minha cabeça por dias e mais dias. Ele resolveu pontuar os principais acontecimentos de 2015 em sua vida como forma de digerir e refletir sobre cada um deles.

Tobias conta sobre a crise de pânico e ansiedade que sofreu logo no início do ano, as viagens que fez, sua saída do Spotify, a experiência de ter ficado um ano sem café nem álcool, os 4.000km rodados de bike, os 10kg perdidos, o novo podcast, seu próprio óleo de barba (ele ostenta uma invejável), a decisão de escrever semanalmente, o prêmio Designer do Ano, Cannes, Art Direct, as leituras e palestras. Ele termina seu relato incentivando todo mundo a fazer o mesmo.

Gostei da ideia, mas, convenhamos, 2015 foi tão volátil que não serve nem para estruturar um texto despretensioso. Então pensei que poderia ser um exercício interessante fazer de conta que 2016 já acabou e que estou aqui escrevendo um balanço de tudo o que aconteceu.

Reconheço que há uma vontade velada de criar uma série de resoluções de início de ano. Talvez para fugir do potencial frustrante que elas carregam—normalmente porque superestimamos nossa capacidade de alcançar objetivos traçados pelas prepotentes linhas do desejo—olhar para trás antes de seguir em frente me parece um bom jeito de avaliar planejando e planejar avaliando. Leia como se fosse dezembro. E em janeiro eu volto para contar o que dessa lista de fato se concretizou. A não ser que o primeiro item fracasse.


Voltei a ser amigo das letrinhas

Meu ex-sócio e amigo de vida Rodrigo Bressane afinando algum website em nosso quarto de hotel em Paris. Foto: Agê Barros

Comecei a escrever profissionalmente aos 17 anos como redator de jornal. Em pouco tempo me tornei repórter e editor, e de quebra conheci o feitiço da fotografia. Pouco mais de dez anos depois me formei em Publicidade e Propaganda, fiz Miami Ad School e fui ser redator publicitário. Dez anos depois cansei da rotina e decidi ser fotógrafo profissional. As duas décadas escrevendo quase todos os dias por obrigação envenenou aquele amor antes tão puro.

O remédio líder de cura chamado tempo resolveu o problema. Hoje sinto-me desintoxicado e mais leve para juntar letrinhas. E percebi que a incerteza de leitores deixa a coisa mais leve ainda. Nada como um palco sem plateia. Não tem palmas, mas também não tem vaias.


Ler mais e mais

Paris, horário de almoço, depois da baguete com presunto parma teve leitura de sobremesa no cardápio deste senhor. Foto: Agê Barros

Experimentei refrigerante e comida industrializada tarde da infância, mas livros, ah, esses fiz amizade muito cedo. Eu viajava nas histórias e queria uma atrás da outra. Lembro que aos treze anos decidi que seria uma boa idade para ler Eu, Christiane F., 13 anos, Drogada, Prostituída. Escondido, óbvio. Minha mãe descobriu e ficou prostituída da vida. Mas habilmente me mostrou outros livros que considerou mais adequados para aquele momento.

Daí me flagrei esses dias que estava tomando mais refrigerante e comendo coisas industrializadas do que lendo. Resolvi mudar minha dieta intelectual. Foi difícil mas consegui vencer o ímpeto açúcarado de abrir o Facebook ou Twitter a cada janelinha disponível de tempo. Troquei a mesmice do feed pelo aplicativo do Kindle. Passei a acordar um pouco mais cedo para ler ou escrever. Descobri meios de transporte que me libertaram da atenção e tensão do trânsito (vou falar mais sobre isso daqui dois tópicos). Em pouco tempo minhas metas de leitura passaram de ousadas para realizadas. Rumo ao cérebro six pack.


Fotografar mais

Euzinho em algum café parisiense, quando a barba era maior e menos branca e os clicks mais frenéticos. Foto: Rodrigo Bressane

Quando montei o estúdio Pandalux com meu amigo-de-mé-meu-irmão-camarada Rodrigo Bressane pensei que estaria realizando o sonho de 11 entre cada 10 portadores de qualquer espécie de câmera fotográfica: eu seria fotógrafo em tempo integral. Maravilha, né? Nem tanto. Grandes câmeras trazem grandes responsabilidades. Empresa, burocracia, prospecção, reuniões, medos, ansiedades, etecétera gigante—aqui rende um texto específico, quem sabe.

Felizmente me dei conta a tempo que este furacão que se forma todos os dias dentro de cada empreendedor pode te lançar pro limbo. Consegui me convencer que, antes de atendimento, relações públicas, marketeiro, empresário (pfff), eu era fotógrafo. E, como tal, precisava exercer esse troço direito. Transformei o ato de fotografar numa obrigação de igual/maior peso que mandar documentos do Imposto de Renda pro contador, por exemplo.

Nunca mais minhas lentes deram qualquer indício de fungo por falta de uso. As baterias pararam de morrer porque se esgotavam no armário. Dei sinais de guerra para as câmeras, cartões e cases. Precisei de mais HDs para abrigar tanto material novo. Vi meu Instagram crescer organicamente. Junto com meu chapa Bressane, me vi novamente em vernissages de exposições de arte—dessa vez com nossas fotos na parede. E mais de uma. Duas. Três. Já estão na categoria várias. E justamente quando me fiz menos empresário e mais fotógrafo os negócios começaram a girar com mais frequência, naturalidade e intensidade. Felicidade pode gerar dinheiro. E dinheiro gera felicidade.


Fim do volante

Volante da minha Lambo, mentira, Lamborghini de um artista famoso. Foto feita na garagem da mansão dele, no Rio. Foto: Agê Barros

Gosto de carros e ainda gosto muito de dirigir. Só que viver em São Paulo tira qualquer possibilidade de prazer nisso. Você não dirige, você se arrasta dentro de um pedaço de metal que, apesar de ter rodas e motor, mal anda. Junte-se a essa agonia a dificuldade de estacionar, a paulada anual do IPVA e seguro. Desagradável, irritante e caro. Estava na hora de desconstruir a cultura carrocrata estacionada na minha caixola.

O trânsito democrático de São Paulo: terrível para Uno, BMW, Lamborghini. Foto: Agê Barros

Não pensei duas vezes. Vendi meu carro. Mentira. Pensei bastante. Um monte. Pesquisei. Me preparei psicologicamente para um rompimento de anos.

Reaprendi a me deslocar por São Paulo, me tornando um sujeito intermodal. Dependendo da agenda, Uber sem medo de ser feliz. Uma calculadora disse que, em casos como o meu, sai mais barato que táxi e mais ainda do que ter carro na garagem. Se os compromissos forem mais espaçados ou informais, rola uma caminhada longa ou várias curtas. A ridículos metros de casa tem corredor de ônibus. Uso um que tem ar condicionado. Em horário fora do pico é como se eu estivesse dividindo um carro gigante com motorista e um cara dando seu justo cochilo. O estúdio fica a duas quadras do metrô, então também dou bastante checkin por lá. E com tanta ciclovia por aí, bike fecha brilhantemente o combo intermodal.

Bonus track: somando toda essa movimentação cotidiana aos três lances de escada que separam o hall do prédio até a porta do meu apartamento passei a ter uma boa quantidade de movimentos no esqueleto antes movido à gasolina—algo entre 9.000 e 12.000 passos por dia, dependendo da agenda. A OMS recomenda 10.000—o que dá aproximadamente 8 km na bota. Então tô dentro da margem de erro.

Milagrosamente minhas roupas pararam de encolher na cintura. Teve também meu sono que do dia pra noite (hã? hã? pegou?) resolveu me deixar dormir bem. De quebra vejo e falo com mais gente, fotografo mais a cidade, descubro lugares antes escondidos pelo volante. Sem falar no tempo dedicado à leitura. Não preciso mais prestar atenção no maluco do motoboy nem me defender dos folgados de SUV. Abro um livro, sapeco um headphone e viajo para outro universo enquanto me transportam até os compromissos do mundo real.

E você, como será o seu retrospecto de 2016? Ainda dá tempo de escrever o que ainda não aconteceu.

Keep going :)

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Ulysses