Cogu

Foto: Agê Barros

Na pegada do quântico, onde vivem outras versões de mim mesmo, eu te beijei antes. Lá, em outro tempo e espaço, tivemos todas as nossas conversas e risadas abraçados desde o primeiro bar.

Na outra versão de você mesma chegamos no segundo bar da noite tateando nossas mãos, que se esbarravam num quase sem querer absolutamente intencional. Aquele sem querer querendo. Você me apresentou a uma amiga de longa data, daquelas que sacam tudo antes de nós mesmos. Entre uma prosa e outra nos entreolhamos lá no fundo, nos despindo aos poucos de cada peça de resistência, de cada pedaço de insegurança, de cada medo importado de outras eras.

A noite não tinha sincronia com o tempo de Chronus. Nada de cronologia sequencial quantitativa. Os ponteiros apontavam para Kairós e sua natureza qualitativa, o momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece.

No terceiro bar da noite ensaiamos uma dança. Nos olhamos. Nos escutamos. Nos rimos. Bebemos nossos copos trocados. Compartilhamos a carne dos deuses como faziam os astecas em noites de celebrações sagradas.

No quarto bar nos demos conta de que estávamos no lugar errado. O endereço estava correto, o lugar era grande, a música era boa, o ambiente bem mundano como gostamos. Porém, não havia espaço para a nossa amplitude, a trilha sonora tocava espremida em descompasso quando experimentávamos a perfeita sintonia. Estávamos celestiais demais.

Nossas outras versões foram para a casa. Uma casa que este meu eu que escreve não reconhece porque não a conhece, afinal, me refiro àquele eu em algum lugar do universo quântico, não a este. Tanto faz. Era uma casa bonita, acolhedora, sensual, digna da gente. Mesmo vestidos de preto, emanávamos cores intermitentes. Caleidoscópios humanos reluzindo como num cosmos particular. Nossos corpos pareciam flutuar. Nossas peles trocavam maciezes. Nossos lábios produziam beijos inéditos a cada contato.

A eternidade pode ser uma prisão, no nosso caso era o que havia de mais libertador. Naquela ausência de tempo e abundância de intensidade vivemos a melhor de nossas versões num looping frenético, onde o fim trocava de lugar com o início num orgasmo inquantificável.

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