A fuga do abismo

Foto: Agê Barros

Preencher vazios. Com ar se há vácuo? Com água se tudo se evapora? O nada feito de tudo que não existe e sua impossibilidade de preenchimento. Falha da matéria, inadequada ao propósito. O vazio ausente de luz, nem queda nem chão, nem silêncio nem vibração. Ansiedade pelo próximo nada. O agora sem amanhã; culpa do ontem.

A busca perde o sentido quando deixamos de saber o que buscamos. Caminhar sem destino nos leva a lugar nenhum. O abismo que se abre não foi alcançado, alcançou o peripatético errante. Saltar por ele. Saltar para ele. Enquanto decide decidido está. O abismo vem e engole tudo. De tão amargas vomita as angústias. Põe o andarilho de volta à trilha.

O processo nubla o horizonte. A luz dourada do por do sol ganha tons sépia. Raciocinar custa alguns frames de letárgio. A escuridão sente-se incomodada. O vácuo expande-se, eis o ar chegando. Não há som de harpas. O amargor do abismo deixa marcas no palato emocional.

Numa erudição boleriana, o silêncio perde espaço para as notas do pensamento espremidas contra um teclado offline. Sem acordes, nem melodias, só as letras agrupadas metodicamente pelos neurônios atordoados—porém afinados.

A mensagem codificada pela vontade de permanecer na inércia se traduz. Me arruma um destino que faça sentido ou o trilhar terá como fim o velho e conhecido abismo. Nem ameaça, nem promessa, nem alerta. Apenas isso. Apenas.

A pergunta mais errada que se ensina na infância: o que eu quero ser quando crescer. Versão pós-abismo: o que eu quero sentir quando deixar de perecer.

O que eu gostaria de sugerir. Sinta-se amado, meu amigo. Nem ar, nem água, nem terra, nem fogo, nem dinheiro nem nada. A única coisa que preenche nossos vazios chama-se amor.

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